para severino francisco
mano severino francisco, tudo bacana!?
li sua crônica-crítica ainda em são paulo ( onde
há tantos severinos, diferentes na cor, na sina e na sílaba )
seu texto
de pedra
e pound
vai fundo
na água corrente
da linguagem
nele você decifra
nossa fome de comer
maracatu com mallarmé
cummings com cartola
edith do prato com stockhausen
o deleuze afirma
que de tanto bater a cabeça
a gente abre um buraco
e foi pela fresta das suas palavras
onde minhas palavras atravessaram
esse livro-objeto
é seu severino
você desvelou em seus escritos
a espacialidade gráfica
do demorô com brasília
e o gosto pela experimentalidade
provocado por nosso mestres amados
como glauber, rogério sganzerla,
júlio bressane, os campos, caetano,
os mestres da escola de samba e da cultura popular
você é certeiro
ao refletir sobre nosso trampo:
“é uma poesia concreta recriada por um olhar tropicalista,
animado pelo gosto anárquico de devoração antropofágica
e mistura de múltiplas linguagens no mesmo caldeirão”.
( nosso oswald é aprova dos nove )
o x
da questão
é que você foi no alvo
do eixo-rizoma-geográfico
por onde nossos poemas
se movem:
rimbaud na abissínia
mestre salustiano em olinda
kaq e beckmann na asa norte
chico science no central park
e eu em taguatinga-morro da mangueira-manhattan-áfrica-lisboa
sou leitor de textos críticos
do haroldo e augusto de campos, roland barthes, marcuse, adorno,
walter benjamin, umberto eco, teixeira coelho, arlindo machado,
ismail xavier, ezra pound, todorov e severino francisco
os dados
estão rolando
sobre nós
e
sobre 14 milhões
de
analfabetos ( que empurram sonhos )
um abraço carinhoso
seu mano
paulo kauim
ps. a capa é uma metáfora sobre a interpretação psicanalítica do mito da caverna de platão
HAI KAI DE KAUIM
- CRÔNICA DA CIDADE -
- SEVERINO FRANCISCO - CORREIO BRAZILIENSE.
Desde o início da construção de Brasília, sempre foram os artistas que lançaram o olhar mais atento, agudo e amoroso para a cidade modernista. Eles nunca se preocuparam se ela tinha ou não esquinas e outras trivialidades, pois perceberam claramente que estavam diante de uma proposta inovadora. Brasília inspirou diretamente um dos principais manifestos do trio paulista de poetas formado por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, intitulado " Plano Piloto da Poesia Concreta ".
Quando leu os manifestos o pernanbucano/taguatinguense Paulo Kauim sentiu-se em um beco sem saída, em uma encruzilhada, no desafio de produzir uma poesia que incorporasse as técnicas de vanguarda e não renegasse a experiência do nordestino impregnado de cultura popular. Como conciliar Pound e pedra, Mallarmé e maracatu, Cummings e Cartola?
Kauim passou 30 anos quebrando a cabeça, mas conseguiu abrir uma fresta para sair da encruzilhada e escavar uma voz própria na poesia, com algo de concretismo e cordel, rap e repente, ideograma e grafite, Niemeyer e João Cabral de Melo Neto, Brasília e Recife, utopia e memória, hai-kai chinês e samba, teatro Nô e alegoria de carnaval: " O Brasil é Jô e Gil / Nô e new / É Assis e Noel / É caqui com cajá / judô com dendê / É Araci com araça ".
O resultado dessas experimentações está registrado em Demorô ( Ed. Thesaurus ). Uma espécie de livro-objeto, que se apropria livrimente das inovações concretistas. É uma poesia que evoca a do curitibano Paulo Leminski, no verso rápido e no humor, mas que é muito marcado pela arquitetura, os marcos modernistas, o gosto experimental e a espacialidade de Brasília.
É uma poesia concreta recriada por um olhar tropicalista, animado pelo gosto anárquico de devoração antropofágia e mistura de multiplas linguagens no mesmo caldeirão. O grafite, a falha e o erro borrado o design asséptico da paisagem: " O Brasil é errado desse jeito / Porque começou / com a faculdade de direito ".
O eixo geográfico por onde se move a poesia de Kauim é quase sempre formado por Pernambuco / Brasil / África.Repente, samba e rap: " A ira / A usura branca / Não sabiam / Que dos podres porões / Das escravas-velas / sairia o samba / o vento / no lenço / no pescoço / no arco / na lapa ".
De maneira análoga ao que ocorreu com o Plano Piloto de Lúcio Costa, o " Plano Piloto da Poesia Concreta " também era muito racional e foi implodido pelas contradições da cultura brasileira, não se cumprindo como havia sido planejado. Um lance de dados jamais abolirá o acaso que se tornou um dos lemas preferidos dos poetas concretos. E, de fato, o acaso jogou os seu dados.
No diálogo, muitas vezes tenso, com os planos pilotos, estão emergindo poetas interessantes. Apesar de cair algumas vezes em maneirismos de vanguarda, Kauim está ensaiando uma resposta singular ao desafio colocado pela Poesia Concreta, jogando o lance de dados da poesia com muita liberdade, sem excluir nada de sua história ou da história da cultura brasileira: " A felicidade brasileira / Toda / Cabe em um pandeiro ".
- CRÔNICA DA CIDADE - SEVERINO FRANCISCO - CORREIO BRAZILIENSE 20/10/2008.
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