Sábado, 29 de Maio de 2010

dhi ribeiro jorge aragão diogo nogueira e dona ivone lara

 

 

 

a lágrima clara sobre a pele escura que veloso narra, desabou com a chegança de dona ivone lara ao palco. um momento negro, um lamento negro, um oráculo negro que dança e cospe poesia. diogo nogueira será meu hamlet do morro. dhi ribeiro a maior cantora do século XXI no brasil. sigo com jorge aragão blues. minha pátria acontece em alguns instantes enquanto favelas desabam sobre a bandeja de cocaína e uísque dos políticos. a educação virá pela escola de samba do zé celso. axé. saravá. avohai. evoé. nação banguela, arte top. meu ódio mira ministros da saúde e cultura. tudo ainda é pouco e lento no brasil. aqui nada é sério. viva a praça XI. viva o quadrado do quadril da mulata. eu quero assis valente comendo cabrito com brócolis no capela da lapa. madame satã será o rubi ou ricardo aleixo em nossa película e adeilton lima será mário reisou lamartine babo. e sem caetano veloso nada anda, nem o recôncavo. eu quero tyrone na fila e wagner love na fama.  cheguei às seis do samba e ainda irei devorar as bacantes por seis horas. dona ivone lara é um fóssil vivo vivo vivo vivo. viva o amor, o trabalho e o samba. não há mistério disse a lacaniana.

 

 

 

 

 

 

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publicado por paulokauim às 19:27
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Sábado, 22 de Maio de 2010

O DESEJO E O PRINCÍPIO DA LIBERDADE

 

 

 

O DESEJO E O PRINCÍPIO DA LIBERDADE

 

 

Joselita Rodrigues Rodovalho.

Nov. de 2000.

 

 

 

 

 

O ganho que se pode obter numa análise, se não a supormos uma cura padrão, é certamente uma margem de liberdade de escolha. E a psicanálise ao revelar para o sujeito a sua determinação pelo desejo põe em questão os princípios da liberdade.

A constituição do desejo pode ser concebida pela autonomia criativa que não se deduz efetivamente de uma necessidade objetiva, e pela autonomia legisladora onde se impõe como uma lei que governa toda rede dos significantes. Só assim poderemos deduzi uma fórmula provável de sua articulação com a liberdade.

A liberdade pela ótica psicanalítica não é a causa final da humanidade, e distintamente da concepção religiosa que concebe a liberdade como um fim em si mesmo, não visa a liberdade como uma desqualificação do desejo. Ao contrário, como efeito do desejo, ela se configura plenamente em sua realização.

O desejo é a própria realização em ato, não há a priori nenhum sentido para ele. E só nos conduzimos em liberdade no momento de um ato. Não há nenhuma liberdade antes ou depois do ato. Não somos livres antes porque nos encontramos escravizados na margem de um desejo insatisfeito. A clínica da histeria exemplifica essa questão revelando-nos a insatisfação do desejo suspenso de seu ato por estar aprisionado nas fantasias histéricas, ou convertido em suas somatizações. Depois do ato também não somos livres, pelo menos enquanto nos mantivermos escravos das reproduções infinitas do desejo na necessidade de sentido tornando a sua realização impossível.

A experiência clínica nos ensina que um paciente busca numa análise, no fundo de suas queixas, é a verdade de seus desejos sufocados em suas inibições, sintomas e angústias. Buscam a cura para o desejo. Este ensinamento nos impõe pensar sobre a função do desejo numa análise e um meio operatório de viabilizar a sua cura.

É o conceito lacaniano do “desejo do analista” que melhor define a função do desejo, tornando-o o eixo central de uma análise por onde irão desfilar os desejos do paciente vivido como desejos alheios às suas próprias vontades e interesses, como desejo de um Outro muito particular, concernente às histórias de cada paciente. Definido como um lugar vazio, o “desejo do analista” é solidário à ética do analista. Este conceito fortemente ligado ao “amor de transferência” freudiano impõe uma revisão sobre a questão do objeto posto em causa, entre o desejo e o amor.

Em Hegel encontramos uma explicação plausível para o objeto em questão. Ao estabelecer a dialética do desejo conclui ser o objeto um meio para o trânsito do desejo entre a necessidade e a demanda. Há pois entre Freud Lacan e Hegel algo em comum, consideram que o desejável é ser desejado, logo, o desejo não se esgota na necessidade de ser ou de ter e nem na demanda de amor, implicando o sujeito numa relação muito particular com a contingência do objeto, reveladora da causa desejante.

É no vazio cedido pelo analista que o paciente poderá deixar-se levar por suas recordações encobridoras aos mais recônditos anos infantis, recordações das palavras que ouviu de todos aqueles falantes, palavras comprensadas entre si, formadoras do seu Outro mítico. A referência ao Outro deve ser entendida em sua fórmula inesquecível, suporte das primeiras experiências de prazer e desprazer, traços de uma memória constituinte das posteriores experiências de satisfações, frustrações e privações, engendrando, através da angústia de castração, os sentimentos de amor ódio e ignorância. Para aparecer o vazio da estrutura, o analista deve abandonar-se de seu desejo como sujeito, ele não é personagem em nenhuma história que escuta. Essa é a condição sine qua non para o sujeito em questão numa análise despregar-se da nostalgia desse Outro determinante do desejo, e perceber que a causa concernente ao desejo é ter sido desejado por alguém.

Manter o vazio da estrutura é uma responsabilidade ética do analista. Nesse entre dois não cabe nenhum acréscimo de sentido ou de gozo, e o amor de transferência não deve limitar-se ao acesso dum ideal ou duma paixão qualquer, mas, ao contrário, o analista deve sublinhar como o amor e o ódio são, tão somente, uma via para a aparição da causa desejante, e qualquer objeto poderá vir ocupar esse lugar vazio, pois a priori nenhum objeto é mais valioso que outro, e isto já elucida o ponto ao redor do qual se centra a questão do desejo. E o “desejo do analista” não deve permitir ao analista vacilar em seu ato que é oferecer-se como semblante de uma causa, e ao por o objeto em função de causa em seu procedimento técnico, desvelará a falta em seu valor estrutural.

Um sujeito engajado num processo de análise defronta-se com seus embaraços imaginários que seguem uma trajetória ascendente, mas, de forma alguma linear, indo da inibição a ser entendida como gozo do Outro, ao sintoma enquanto demanda do Outro, à angústia como seu último reduto defensivo frente ao desejo do Outro, encontra sua questão: “Que Queres?”. Frente a isto, terá a liberdade para descobrir que o valor de sua causa é incomensurável, não se cotiza em nenhum mercado, nem no mercado dos dons, nem no mercado dos intercâmbios e nem no mercado fálico. As perdas resultante desta descoberta leva-nos à constatação, não de que não somos um nada, ou ninguém, quando nos vemos na posição de objeto, mas que enquanto valor de verdade ou valor de gozo esse objeto é nulo. É um zero.

Nada de ser um zero à esquerda ou à direita, mas um zero original onde somos pura falta de sujeito, onde não há pensamento, não há cognição e não há inteligência. Lugar de onde somos apenas falado e contado, e a partir do qual poderemos aprender a contar, a contar-nos numa seriação, e a criar a própria ficção sobre nosso objeto de desejo. A persistência do desejo expressa no contínuo anseio humano pelo melhor, pelo mais belo e compreensivo, pelo mais justo, advém das profundezas de sua fonte – a incompletude intrínseca à existência -, e da lonjura de sua meta – o sempre adiado encontro com o objeto de desejo. E a realidade analítica revela-nos a impossibilidade desse encontro, caso haja são de conseqüências desastrosas para o sujeito.

Um fato histórico amplo em seu valor e de conseqüência ímpar auxiliará nossas reflexões, sobre a determinação do sujeito ao desejo do Outro e sua subordinação à estrutura do significante.

Trata-se da história do cristianismo e seu imensurável efeito sobre os ideais da humanidade. Este episódio ocorrido no ano 312 d.C., período de acirrada perseguição organizada aos cristãos, dá lugar a uma decisiva mudança histórica para o pensamento humano. Trata-se da conversão romana ao cristianismo promovida pelo imperador Constantino, o unificador de todo império romano que obteve o título máximo de Augustus Imperador de Roma.

Conta a lenda que Constantino, ao empreender a luta armada para a unificação do império, implora ao deus Apolo um sinal que o deixasse seguro quanto a sua vitória, mas diante do silêncio deste deus que já havia perdido seus poderes divinos, Constantino volta-se para os poderes do Deus cristão cuja insígnia da cruz estava em pleno vigor. Subordinando-se ao seu sinal Constantino ordena ornar os estandartes de seu exército com o sinal da cruz, e com ele atrair apoio e simpatia dos cristãos para a sua batalha. Para quem tinha uma inteligência bélica e inferioridade em exército não havia melhor saída para a vitória do que apostar neste sinal. Tornando-se então, tolerante à causa cristã e por gratidão promulga o Edito de Milão, concedendo-lhes plena proteção e o direito de livre culto público.

De seita marginal à religião reconhecida o cristianismo se vê obrigado a fundar sua Igreja e a formular um dogma definitivo para garantir a difusão e a permanência da fé cristã. O dogma cristão pautado nas próprias palavras de Cristo: “eu e meu Pai somos um só”, definia-se pela identidade de Cristo ao Pai: Homo ousion – igual em essência. Isto gerou controvérsias dividindo as concepções, pois para os gregos cristãos, em sua racionalidade céptica, a doutrina da identidade de Cristo Deus lhes pareciam absurda. A nova doutrina empunhada por Ário, presbítero da igreja de Alexandria, propunha a não identidade de Cristo: Homoi ousion – semelhante em essência, tornando o cristianismo mais acessível à racionalidade grega. Respaldado pela interpretação racional da Bíblia, conclui ser Cristo um ser humano e como tal, sujeito às leis da incerteza, da instabilidade e da transição. Com este dogma Ário se popularizou, mas, considerado perigoso e herege foi excomungado da Igreja pelo bispo de Alexandria, tornando-se então, o principal líder da “heresia da razão”.

Sua excomunhão não resolve o conflito que toma proporções políticas atingindo a estabilidade do império romano. Constantino, para não se indispor contra os cristãos com os quais tinha uma dívida de gratidão, decide apoiá-los na preservação da unidade da Igreja, e convoca o primeiro concílio geral dos cristãos, o concílio de Nicéia, realizado na cidade de Nicéia no ano325, o qual ele mesmo presidiu. A aporia cristã reduzida à menor letra do alfabeto grego, o I, não se resolveu por nenhuma conclusão lógica sobre este i, a solução se deu pelos votos que deram ganho de causa aos ortodoxos. Duzentos e vinte bispos assinaram o credo da unidade de essência, o resto foi estigmatizado como herético e o anátema da Igreja lançado contra eles. Por decreto imperial a decisão do concílio tornou-se lei obrigatória em todo império romano.

A derrota em Nicéia não sossegou Ário. Conhecedor dos efeitos da linguagem sabia bem as impressões que causavam as palavras chavões sobre as pessoas. Conhecia o poder das palavras, maior que o poder das armas. E foi com elas que preservou sua causa, encaixando-a nas canções populares e em outros meios de comunicação, conseguiu manter em suspensão o fascismo da verdade absoluta introduzindo nela uma sombra de dúvida.

Esta aporia religiosa remete-nos à questão psicanalítica da subordinação do sujeito ao significante através do qual se sentirá tão consistente quanto amado. O significante introduz no sujeito o embrião da causa que se instala entre ele e o Outro. Esta questão aberta ao sujeito da análise o possibilita assumir o imperativo de sua causalidade contida na própria ficção. E o caso de Cristo, abre a cada um de nós uma maior reflexão sobre os efeitos de sua alienação ao significante do nome do pai. A modificação do sujeito, suposta na análise, viabiliza o processo de separação do significante que o fixa na necessidade de sentido. Trata-se neste processo da construção de uma verdade até seu último termo, o termo do fantasma, ponto onde o sujeito fixa-se a um objeto tornando-o exclusivo em sua significação primeira. A separação introduz o corte nesta alienação fazendo surgir a dialética do desejo.

A dialética do desejo revela seus enigmas através de uma desregrada necessidade de saber – o gozo de dominar o significante, ou pela desregrada necessidade de dominar o outro pelo poder – o gozo de dominar o objeto. É um desregramento próprio da fixação do sujeito aos efeitos de sentido nos quais as rememorações se reorganizam em torno da imagem fascinante do narcisismo mortífero. O que nos chama a atenção nesta modalidade dialética é a inversão da posição do sujeito em detrimento de sua subversão. Trata-se de uma repetição que apenas avessa sua posição ora escravo, ora senhor; produzindo um efeito paranóico onde o imperativo da verdade ativa a dominância de um discurso que reivindica poder e prestígio.

Uma acurada leitura de Hegel nos instrui sobre o fato da dialética do desejo e a dialética do senhor e do escravo serem estabelecidas no íntimo de nós mesmos, gerando conflitos internos cujos efeitos imaginários recobrem todas as ordens das relações humanas. Mas tanto uma como a outra não resolvem o problema da angústia de morte que a psicanálise esclarece sob o prisma da angústia de castração, último reduto da servidão humana ao desejo do Outro. E Lacan com a definição do “desejo do analista” cede ao amor de transferência freudiano um meio operatório mais franco para o manejo da transferência. Nesta, o sujeito empreende uma batalha contra os próprios conflitos internos, a dualidade entre o sujeito e seu Outro imaginário, é a superação dialética em seus três tempos de alienação na inibição, no sintoma e na angústia.

Os impactos do desejo inconsciente nos faz sucumbir a ele, pois a cada nova verdade sobre nós mesmos podemos escolher tomar nosso lugar nela, ou recalcá-la, e nós temos o terrível habito de imputar aos outros um saber sobre qualquer pensamento, idéia, sofrimento que em nosso íntimo, eclode como algo estranho à nós mesmos. Mas quem é esse outro que penso pensar dentro de mim, que penso ser o meu senhor mediante o qual sucumbo como escravo? Quem é pois, esse outro a quem sou mais apegada do que a mim mesma, já que na minha intimidade mais consentida ele me perturba e me intriga? Responder a isto convoca pensar na finalidade da descoberta de Freud impondo seu caráter subversivo. Tal finalidade se define pelos seguintes termos: “lá onde isso era o eu deve advir”. Segundo Lacan essa finalidade é de reconciliação e acordo entre eu e meu outro grande. Se o inconsciente é o discurso do Outro, o isso aponta para um lugar mais além de onde me encontro embaraçada na demanda de reconhecimento de um desejo que eu mesma não consigo reconhecer. E os problemas que aí se colocam são da ordem de uma falta de autonomia simplesmente desconhecida por mim, principalmente quando reduzida a este sentimento do outro, não importando a sua denominação.

“Conheça-te a ti mesmo” diz-nos o Oráculo, “voltes para o âmago de teu ser”, diz-nos Freud, em bom alemão “Kern unseres Wesen”, é Freud nos convocando a examinar o mais profundo de nossas almas. Aonde ele pretende nos levar não é de forma alguma ao objeto do conhecimento, ao contrário, é ao objeto onde o sujeito do pensamento não está; lugar onde o discurso que fala de mim, fala sobre mim não é ainda o meu, não é ainda minha fala. Este lugar ao qual retorno para cair de minha alienação devo advir dele, aprendendo a distinguir o limite que separa a letra do ser, o sujeito do objeto, saber principalmente distinguir o outro como semelhante do Outro como instância da fala e da linguagem.

A conquista da liberdade, só é possível pelo vencimento da castração imaginária vivida sob a ótica do fantasma originário. O rochedo da castração o qual devemos transpor, não implica na resolução do desejo, no plano edípico, pela restauração do Ideal do Eu como herdeiro do complexo de Édipo, mas o seu atravessamento conforme nos ensina Lacan, em sua magistral contribuição a Hegel e a Freud, propondo a resolução da dialética do desejo num plano mais avançado, num passo mais audacioso e subversivo do sujeito, do que a saída pela demanda de reconhecimento geradora de todos os tipos de ações insensatas como testemunha a história da humanidade. Tal resolução se dá somente pela radical destituição - e não se deve confundir com destruição – deste Outro inesquecível, numa reviravolta, sem par, do sujeito. A conseqüência disto será um tipo de ateísmo muito especial, decorrente da separação entre o ser e a letra, há muito pleiteado pelos antigos gregos “hereges da razão”.

Se isto de fato acontecer, nada mais poderá sustentar o retorno de um Outro, pois como Lacan nos ensina não há Outro do Outro, não há Deus de Deus como quis crer Constantino, que empurre novamente o sujeito à dialética hegeliana, pois nessa ótica a questão da liberdade recairá na significação mais corriqueira da necessidade humana de ser reconhecido por um outro semelhante, também, humano em sua própria essência Humana, necessidade que só se resolverá através de uma instância superior ou de uma pretensa potência divina. É a decisão toma pela maioria dos votos que não deixam nenhuma outra margem de escolha.

A questão da escolha é elucidada em Lacan a partir de três frases “a bolsa ou a vida”, “a liberdade ou a vida” e “a liberdade ou a morte”. Na primeira possibilidade, se escolho a bolsa, perco a bolsa e a vida; se escolho a vida, tenho uma vida sem bolsa, uma vida cerceada. A partir dessa escolha o homem empreende seu caminho para a escravidão. Nela, quando apela pela liberdade perde imediatamente a liberdade e a vida, e, se escolhe a vida tem a vida amputada da liberdade. Existe uma certa margem de liberdade que se conquista pelo trabalho, mas não resolve o problema da angústia cujo terror diante do desejo do Outro introduz um fator letal suscitando um efeito de estrutura um tanto quanto diferente, levando-nos a revisar o princípio da liberdade pela via de uma escolha entre a “liberdade ou a morte”. Neste caso, se escolho a liberdade, escolherei a liberdade de morrer, uma escolha heróica, sem dúvida, e a única prova de liberdade que se pode ter aí é, justamente, poder escolher a própria morte. É nisto que se conjuga o fator letal que o sujeito tal qual a psicanálise interpreta deve simbolizar, a simbolização da própria morte. Saber que pode desejar por si mesmo porque já não depende mais de ninguém para viver.

Na clínica empregamos uma única regra fundamental: a da livre associação de idéias. Compreendemos porém, em nossas experiências, não sermos tão livres assim para pensar e falar verdadeiramente o que pensamos, mas podemos logo considerar que o que está em jogo nesta regra é o semblante de uma liberdade possível. Pois trata-se para a psicanálise do sujeito libertar-se dos efeitos afanisíacos do sentido, e todo bem almejado numa transferência analítica é exclusivamente o despregamento do sujeito destes efeitos afanisíacos do sentido.

O final de uma análise é solidário à perda do sentido, é um ateísmo, uma agnosia do Outro, com isto não só a necessidade de sentido se desfaz como também sua subordinação ao Outro. Este é o ponto que permite operar na psicanálise a nossa determinação significante. Uma contingência que nos permite assumir nossa causação. Inclusive no momento do horror absoluto da castração, momento do desejo em ato, o horror do próprio ato. Este momento único, momento em que o sujeito libera a subordinação de seu ser ao significante, o seu Outro pode ser barrado, abandonado, pois ele não é mais necessário. A liberdade do sentido é o encontro com a falta de sujeito, é o próprio de–ser.

Como psicanálise não é religião, não se trata, em sua prática clínica, de dar sentido, ao contrário, a interpretação analítica age no registro do sem-sentido, abrindo para o falante o deciframento de sua alienação imaginaria para restaurar uma nova ordem imaginária, fundamental na nodulação do impossível do real à contingência simbólica. O sentido é um modo de defesa contra a insensatez própria da estrutura, e dos paradoxos de nossa dependência dela. Podemos assim refletir sobre a questão do Imperador Constantino que ao buscar segurança na causa cristã, causa que não era a dele, mas útil para ele, aliena-se não no sentido propriamente dito mas na necessidade de sentido, e só Deus sabe no que isto deu.

Abordar os efeitos da estrutura pela necessidade de sentido, permite-nos verificar os impasses do sujeito perante seu desamparo, e nos convoca, ao mesmo tempo, verificar a função do pai na determinação do desejo. E na história de Constantino não passa batido esta questão, ela está lá bem presente na própria ausência do deus Apolo revelando-nos que o pai que conta na estrutura é, obrigatoriamente, o pai morto.

Só me coloco em questão enquanto sujeito porque há pai morto. Meu pai pode morrer pelo menos de duas maneiras, no real e no meu imaginário quando deixa de ser tudo aquilo que imaginava dele, de forma positiva ou negativa, não importa. E a passagem duma posição na qual ainda não existo enquanto sujeito, para uma outra posição onde passo a existir como tal, me força ir mais além do pai, me força a um impasse com os limites da autoridade paterna. Essa passagem promove a culpa neurótica, culpa inconsciente de um assassinato que acreditamos cometer.

Pensemos um pouco em nossos impulsos homicidas infantis contra papai, contra mamãe, contra nossos malvados irmãozinhos, enfim, contra qualquer outro que nos criam embaraços imaginários e impedimentos de nossas ações. Pensemos também, no ódio tão explícito em nossas mais inocentes expressões cotidianas: “tomara que morra!”, tenho vontade de esganá-lo!”. Por aí vemos aparecer um traço obsessivo comum a qualquer neurose: o sentimento de que ao experimentarmos nossos desejos feriremos mortalmente àqueles que mais amamos e nos são mais caros; e deveríamos fazer de tudo para impedir esse desastre. Segundo Freud, este traço obsessivo é o que recebemos de nossa tradição judaico–cristã.

Ir até o último termo do desejo é levantar o recalcamento originário, e isto tem uma equivalência simbólica com a profanação do túmulo do pai morto, é revirar sua tumba até a captura do objeto. Aí constatamos, com certo horror, que a tumba está vazia, e revira-la suprime seu caráter sagrado. Necessitamos manter o recalcamento originário, expresso em nossos rituais de louvor aos mortos, para não anular nossa crença de uma vida que se prolonga após a morte, crença oposta ao trabalho de luto que reconhece a falta real.

A clínica tem o poder de demonstrar os terrores ouvidos da boca de nossos pacientes, temor de que algum mal acontecerá ao pai morto caso o sujeito seja tomado por seu desejo de ir até o fim. Aqui, não temos de ouvir esse temor como expressão de uma patologia, mas ouvi-lo no funcionamento de um determinismo lógico veiculado pela angústia, efeito do que é para cada um assumir seu lugar no desejo.

É o fato também de constatar que nenhuma mãe é virgem e nenhum filho é deus, e uma senhora tratada como “virgem” não poderá jamais ser uma mulher, objeto de desejo sexual para o homem e sujeito desejante pelo lado da mulher. Ir até o fim é revelar efetivamente o objeto suporte dessa imagem feminina ideal e causar nela um dano sacrílego. É revelar pela via da mulher que a causa desejante é efetivamente sexual e não ideal.

A explicação plausível para nosso sentimento de culpa inconsciente, na medida em que vemos desvendar nossa tradição histórica fortemente religiosa e criacionista, é ser efeito desta tradição que cultua o ideal do eu. Ideal que nos leva a crer que agradaríamos ao Pai se despojássemos de nossos desejos em seu sacrifício e até mesmo que seria uma boa oferta pala qual poderíamos conservar seu amor. Com isto poderemos entender as razões desde Freud pelas quais preferimos fazer uma escolha econômica pelo masoquismo.

Desde que Freud construiu o conceito de pulsão de morte até formular seus efeitos no Mal estar da civilização, a noção do masoquismo ganha um estatus especial no cerne da teoria psicanalítica. Trata-se de uma formulação relativa à estrutura originária do sujeito determinante de suas posições nas modalidades do masoquismo erótico, masoquismo moral e masoquismo feminino, através das quais se esboçam a operacionalidade clínica. Não deixa também, de ser um escândalo freudiano porque nos revela a implicação do sujeito na escolha masoquista em razão da economia de seu gozo.

O masoquismo é uma escolha na qual o sujeito se protege, melancolicamente, dos efeitos produzidos no outro pela realização de seu desejo. Por este viés podemos aquilatar a abrangência reveladora do masoquismo no vacilo do sujeito frente ao seu ato. Pois para advir como sujeito será necessário atravessar o território desértico do desamparo, perder o medo de solucionar sua crise narcísica por uma via mais lógica na qual poderá retificar sua posição subjetiva no imaginário narcísico, suportando a dor desta ferida imaginária, e o horror do próprio desejo posto em ato. Se a perda do narcisismo é a condição das defesas contra o desamparo, ela é, ao mesmo tempo, o que permite o acesso ao desejo e à liberdade de escolha. Na escolha masoquista o sujeito restaura o Ideal do Eu subordinando-se ao amor narcísico do pai sacrificando seu desejo. Mantém desta forma sua estabilidade narcísica conservando-se escravo de uma imagem de perfeição divina. Abrindo mão da liberdade de usufruir do próprio desejo escolhe a morte, a morte do desejo e a exclusão do sujeito da vitalidade e do entusiasmo com a vida.

Na trajetória da civilização ocidental a tradição judaico-cristã conserva-se, paralelamente, com a tradição racionalista grega. Portanto, vale postular que de Platão a Marx, toda a vertente racionalista dogmática perseguiu também, uma desqualificação do desejo, e, portanto, de sua autonomia enquanto lugar privilegiado da liberdade. Desqualificação que sempre se fez acompanhar de um culto da liberdade concebida como consciência realizada na necessidade. A rigor, trata-se de uma tradição que só pode se manifestar culturalmente sob a inversão dos termos dialéticos descritos acima. E o desejo na concepção lacaniana, reinstaura o corte de um determinismo puramente lógico, que além de apresentar-nos uma solução lógica para a dialética do desejo, torna-se o símbolo de nossa possibilidade autônoma.

A alegoria bíblica, precursora do capitalismo, nos indica exatamente o reino das necessidades objetivas satisfeitas, mas que não nos satisfazem o suficiente, porque não esgota a determinação do desejo insistente. Pois o desejo não está na serpente, ele está em nós mesmos, é apenas um produto de nossa faculdade de desejar. Ele não representa a força do Mal, e sim nossa capacidade específica de definir os critérios do Bem e do Mal. Portanto, não precisamos nos martirizar por nosso condicionamento ao desejo. Não é por assumi-lo na prática que pecamos. Ao contrário, só investimos contra a humanidade e contra a própria liberdade enquanto não nos reconhecermos e nos dirigirmos por uma ética que não cede do desejo.

A ética e a responsabilidade do analista definem-se como “desejo do analista”, definição que permite elaborar uma teoria fundada sobre a sua condição de incerteza, instabilidade e imprevisibilidade da prática clínica, pois o fim e a finalidade de uma análise não são iguais para todos e muito menos uma cura padrão. Desta forma podemos entender a psicanálise como a teoria de um humanismo ateu, desvencilhado, por seus fundamentos doutrinais, de qualquer culto da Humanidade como um Fim e um Valor Supremos, mas um humanismo constituído pela ética do Real que insiste como eterna capacidade de retorno pela invenção de novas ordens sempre abertas à transcendência de nossos fantasmas imaginários.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

*Este trabalho foi publicado nos Anais do Encontro Internacional de Psicanálise do Recife/ano 2000

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por paulokauim às 00:42
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Quarta-feira, 19 de Maio de 2010

é o cão

 

 

 

 


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Terça-feira, 18 de Maio de 2010

proesia

 

 

 


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a construção de brasília: modernidade e periferia

 

 

 

 


publicado por paulokauim às 01:35
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Domingo, 16 de Maio de 2010

johnny winter

 

 

 

 

 

 

 

acabo de chegar
do show desse fóssil-som
http://www.johnnywinter.net/


teve catira, acarajé e uma
guitarra albina furiosa

 

 

 

 

 

 

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Sexta-feira, 14 de Maio de 2010

13 de maio

 


publicado por paulokauim às 03:09
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13 de maio ( caetano veloso )

 

 

 

 

 

 

 

13 De Maio
caetano veloso

Dia 13 de maio em Santo Amaro
Na Praça do Mercado
Os pretos celebravam
(Talvez hoje inda o façam)
O fim da escravidão
Da escravidão
O fim da escravidão

Tanta pindoba!
Lembro do aluá
Lembro da maniçoba
Foguetes no ar

Pra saudar Isabel
Ô Isabé
Pra saudar Isabé

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por paulokauim às 02:34
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13 de maio ( paulo césar de carvalho )

 

 

13 de maio

 

com wella borges costa

 

 

 

 

isabel cristina leopoldina augusta micaela gabriela

 

rafaela gonzaga de bragança

 

falar seu nome todo cansa

 

e como cansa!

 

e como cansa!

 

 

isabel cristina leopoldina augusta micaela gabriela

 

rafaela gonzaga de bragança

 

falar seu nome todo cansa

 

e como cansa!

 

e como cansa!

 

 

e eu cansei...

 

cansei de ser escravo

 

bateu as asas a liberdade no céu

 

e hoje

 

tenho direito à preguiça

 

só vou chamar

 

sua alteza de bebel

 

de bebel

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

PAULO CÉSAR DE CARVALHO

 

TOQUE DE LETRA

 

EDITORA NHAMBIQUARA - SP 2009

 

 

 

 

 

 

 

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publicado por paulokauim às 02:24
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Quinta-feira, 6 de Maio de 2010

novos caminhos poéticos

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Caminhos poéticos da periferia - Parte II
.
POESIA NO CRAS
Caminhos poéticos da periferia - Parte II
.
Quinta-feira 06 de maio 14hs

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Coordenados pelo poeta Sergio vaz e a educadora Eliete Mendes, o projeto tem como objetivo disseminar a poesia entre os jovens, e no final, a publicação de um segundo livro com os poemas dos alunos.
O projeto Protejo é do Governo Federal, através do Pronasci que atende a jovens em areas de riscos e vulnerabilidade nos municipios de SP, e visa no final do curso que eles elaborem um projeto local, que no caso é o livro de poesias e recuperação das quadras de esporte com grafitagem, onde o projeto acontece.
São cinco Cras que atendem ao Projeto: Trianon, Pirajussara, V.Sonia, Scandia e CSU, mais ou menos 30 adolescente estaram lá.
.
Cras: Rua João Floriano, 80 Jd. Vitoria
Taboão da Sera-SP
fone 4139-8616

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